As perguntas mais comuns que são dirigidas a um nadador do Canal são:
De onde veio essa idéia?
Por quê o Canal?
Minha história sobre o Canal tem explicações muito diferentes da média, com certeza. A maioria absoluta das pessoas que o cruzam tem raízes e resultados muito fortes no esporte. Na juventude fui um nadador apenas regular, longe dos índices oficiais e campeonatos de ponta. E o pior de tudo, era um velocista. Parei cedo, aos quinze anos, para focalizar esforços nos estudos e trabalho.
Quando voltei a nadar, aos 36 anos, não conseguia passar de um modesto nono lugar no Campeonato e lembro-me muito bem até hoje, que era sempre o último a chegar da equipe de São Caetano nas provas em que participávamos.
Não havia nada mais desanimador do que se aproximar do funil de chegada quase que simultaneamente com os barcos que já traziam as bóias demarcadoras da prova, pois a prova estava terminando. Era um clima de fim de festa total.
Mesmo assim, nunca desanimei e nunca deixei de participar. Se era ruim daquele modo, seria muito pior se eu parasse!
Por outro lado, também sempre trabalhei muito. Gosto de trabalhar. Aceito os desafios que são colocados pela empresa sempre com muita vontade. Sou um caçador de metas. Vivo, falo, penso, durmo, almoço, janto e persigo metas. Isso sempre exigiu bastante de mim e dos times que já trabalharam comigo. Pode perguntar a quem já viu como é.
Um belo dia, um amigo próximo da equipe de natação, fez a Travessia 14 Bis no ano de 2000 e me contou sua experiência. Era o Wilsão. Ele me fez a seguinte descrição:
- Depois da metade da prova, você não tem mais braço, mas você vai nadando. É a cabeça que te leva ao final.
Como história de vida, aquilo me impressionou. Em 2001 resolvi eu tentar a sorte nessa prova. Como trabalhava demais, não sobrava tempo para treinar. Nadava três dias por semana, dois quilômetros por dia. Total: seis quilômetros por semana. Nos sábados, encontrava a turma que treinava para a prova e nadava oito quilômetros. Eu me acabava. Naquela época acreditava-se piamente que a 14 Bis tinha 42 quilômetros de extensão. Logo, o treinamento era escasso e insuficiente.
Mas eu insisti e completei a prova. Quando saí da água, mal conseguia subir na mureta da praia. Estava fisicamente acabado, mas eu havia vencido. Dali eu segui pensando: o que tem depois dessa? Mais desafiadora e difícil?
A idéia do Canal começou a me perseguir. Dei uma leve investigada no assunto, tanto pela Internet, como com alguns amigos. Resolvi colocar uma meta grande e realmente desafiadora: fazer o Canal da Mancha dentro do ritmo de vida que eu levava, trabalhando de 12 a 14 horas por dia e tudo o mais.
Fiz minha inscrição com apenas um ano e meio de antecedência. Era pouco tempo para a revolução que aconteceria em minha vida. Fui em frente.
Se tivesse pensado demais e perguntado todos os detalhes da Travessia, talvez tivesse medo e não arriscasse. Ao longo do treinamento fui aprendendo muitas coisas que ainda não sabia sobre o Canal, foi um processo dinâmico.
Aí eu fui lá e fiz!
Mas o Percival que fez a Travessia era muito diferente do Percival de 18 meses atrás. Eu havia mudado em muitas coisas, sendo a principal delas, o meu mindset. Os valores de regularidade, determinação, empenho e sacrifício pessoal talvez tenham sido os mais marcantes.
Algumas coisas, no entanto, quase não mudaram: a falta de tempo foi uma delas.
As companhias que colecionei ao longo da epopéia foram também marcantes. Descobri valores incalculáveis em pessoas que hoje chamo de verdadeiros amigos.
O Canal teve uma importância central, apesar de ser uma prática secundária em minha vida. É como dizem no jargão empresarial: não era o meu core business. Mas, ainda assim, não perdi o foco e valeu o esforço.
Hoje me recordo das travessias em que chegava em último lugar. Qual a diferença para as provas de hoje? (Confesso que não melhorei muito na classificação.) Absolutamente nenhuma, pois o mais importante eu demonstrei nestes anos todos: a regularidade.
Hoje em minhas palestras me perguntam se eu voltaria a fazer o Canal. Eu respondo:
- Sim, daqui a trinta anos.
Raramente o público entende o que está por trás desta afirmação, mas eu explico: Se eu puder estar nadando e mantendo-me ativo pelos próximos 30 anos, haveria algo mais gratificante? Quem sabe até bater o recorde de o nadador mais idoso do mundo a cruzar o Canal? Isso seria o ápice, uma grande meta.
Mas se, chegando lá e tentando a travessia com 71 anos (ou mais) e eu não conseguir, que diferença faz? Minha vida terá sido um exemplo de dedicação e isso é o mais importante.
Dos títulos, troféus e recordes eu abro mão.
Do exemplo de vida, não. Essa é a grande meta!
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