Recentemente estive lendo um livro sobre o funcionamento do cérebro humano e não pude deixar de notar a relação existente entre as palavras acima. O autor discorria enfaticamente sobre os efeitos do tempo na degeneração cerebral, enquanto ele mesmo propunha métodos na direção oposta, ou seja, na de sua regeneração.
O fato me remeteu ao período de treinamento intenso que antecede a uma travessia do porte do Canal da Mancha. Quando iniciei os treinamentos para o Canal, imaginei que deveria trazer alguma marca exclusiva de meu feito. Não sabia o que era, mas estava a procurar algo que diferenciasse minha Travessia da dos demais brasileiros que já tivessem atingido o mesmo objetivo.
O recorde brasileiro não era minha pretensão; meu objetivo era atravessar, sem correr riscos desnecessários, como o de buscar um tempo fantástico e não suportar o ritmo da prova até seu final.
Pensei em fazer a prova em um determinado estilo, mesmo que diferente do crawl e descobri que já teve gente atravessando o canal, acreditem, até no estilo borboleta! Desisti de qualquer tentativa mais ousada do que essa.
- Melhor, só em apnéia - comentava brincando.
Após algum tempo pensando sobre o assunto, deixei-o de lado. O negócio era preparar-me o melhor possível e enfrentar o compromisso pesado que vinha pela frente. Afinal, tudo seguia como antes, os compromissos da vida de um executivo continuavam a pressionar e, em momento algum, deram folga para a concretização de meu sonho pessoal. Aos poucos fui percebendo que esse seria o diferencial. Certamente eu seria o primeiro executivo workaholic estressado brasileiro - e quem sabe, do mundo - a cruzar o Canal da Mancha.
Até aquele momento pouco se observavam, em publicações brasileiras voltadas a executivos, os assuntos qualidade de vida, mudanças de hábito ou compatibilidade entre objetivos pessoais e profissionais. Mais recentemente, este tema tem ganhado espaço na mídia e nas empresas. Na maioria delas, a meu entender, de forma um tanto quanto infantil, mas já é um começo.
Como tudo neste país parece ser movido por intensas ondas de opinião - os chamados "modismos" que tanto impulsionam o ser humano - o tema foi (e está) lentamente permeando a opinião pública a respeito e sua legião de seguidores cresce a cada dia. Quando esse assunto veio à baila na empresa em que trabalhava - a mesma se predispôs timidamente a incentivar a prática esportiva entre seus funcionários - eu já praticava natação há pelo menos quatro anos. Num ritmo pouco intenso para uma grande Travessia, mas já dispunha da regularidade a meu favor.
Enfim, tinha um objetivo forte pela frente e um diferencial do qual me orgulhar.
Os treinamentos começaram e se intensificaram. Antes de tomar a decisão de fazer a Travessia, nadava cerca de três vezes por semana, dois quilômetros por dia. Isso resultava em seis quilômetros por semana, uma cifra extremamente baixa quando comparada aos sessenta quilômetros semanais que praticava em meu período final. Para meu estado de estresse inicial, o crescimento proporcionado pelos novos treinamentos não representou uma simples evolução. Foi, sim, uma verdadeira Revolução.
Explico.
Algumas coisas inacreditáveis passaram a acontecer. Primeiramente comecei a perceber uma melhora em meu metabolismo - você se sente bem, apesar de levemente cansado e seu humor e nível de atenção melhoram radicalmente. A pressão do trabalho fica mais suportável visto que alguns dos desafios profissionais que se apresentam parecem menores se comparados ao fardo que você se predispôs a carregar. Os horizontes se ampliam, o perfil de prioridades muda. A responsabilidade na condução de sua vida pessoal e profissional é amplificada e muito.
Mas tudo isso é pouco tangível, fácil de falar e difícil de medir.
O ponto tangível que mais me impressionou foram os tempos em treinamento. Isso mesmo, como era de se esperar, comecei a comparar os tempos em várias "provas" diferentes de natação, que faziam parte de meu treinamento. Os resultados eram motivadores.
A cada treinamento eu ligava para o Agnaldo - meu técnico - e lhe contava, entusiasmado, sobre os tempos que eu havia conseguido abaixar naquele dia. Eu ficava radiante, pois percebia os resultados de forma concreta.
Entre outras (r)evoluções, posso mencionar:
" Meu ritmo basal - freqüência cardíaca medida em repouso - estava próximo aos 45 batimentos por minuto, o mais baixo de toda minha vida!"
" Ao nadar distâncias longas, os tempos das passagens intermediárias eram muito regulares entre si, como nunca havia conseguido antes."
" Meu ritmo de braçadas era praticamente constante para qualquer distância nadada."
" Os tempos de séries longas com intervalos curtos melhoravam a cada dia."
Enfim, sentia-me como um relógio suíço e evoluindo.
Quando, porém, comecei a obter tempos em treino melhores do que os que eu jamais conseguira em meus parcos anos de competição como nadador na adolescência, senti o resultado efetivo de meus esforços.
Aquilo foi para mim uma coroação! Nadar melhor aos 41 anos do que aos 15.
Que máquina maravilhosa que temos em nossas mãos! Muitos médicos falam em DEGENERAÇÃO inevitável do corpo humano com o tempo. Falam em decaimento. Sei ao que se referem e, em sua maioria, não estão errados.
Mas eu estava vivendo numa ilha de REGENERAÇÃO!
Obviamente, ela não surgiu por acaso. Foi fruto de muito treinamento, orientação, alimentação balanceada, apoio humano, etc.
Foi então que percebi o real valor de minha empreitada no Canal - fazê-lo aos 41 anos - já uma idade relativamente avançada para o feito. Assim o fiz e hoje me orgulho de minha inesperada marca:
"O mais velho nadador brasileiro a cruzar o Canal da Mancha."
Ou talvez devamos dizer "o mais experiente", para não comprometer tanto...
Por essa eu não esperava...
Mas, se a vida começa depois dos quarenta, por que não?
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