BIRDS

Já de há muito tempo que cruzei, em meus estudos frenéticos da língua inglesa, com um provérbio que representaria muito em minha experiência pessoal - familiar e esportiva - e profissional. Trata-se do famigerado:

"Birds of a feather flock together."

Sua tradução literal é algo parecido com:
"Pássaros de uma mesma plumagem se agrupam".

Como toda tradução literal, esta também é muito sem graça. Não saia por aí dizendo isso aos quatro ventos que você pode ser mal interpretado. Há pessoas que sugerem provérbios próximos como traduções mais adequadas. Uma possibilidade que se aventa é:
"Diga-me com quem andas que eu te direi quem és".

É próximo, mas o sentido não é exatamente o mesmo. A tradução fica mais apresentável, mas perde-se a essência do "agrupamento", que transmite o sentido de uma ação mais intencional do que a casualidade de "andar com" alguém.
Minha estimada professora de língua inglesa, Margarida, que me perdoe, mas não se pode fazer tal aproximação sem perda de informação. Por isso, esqueço as traduções e sempre carrego os birds comigo. Quando encontro alguém que "joga no meu time" eu automaticamente o classifico como mais um bird. E por aí vou, buscando formar minha revoada.

O conceito é muito claro quando analisamos as estruturas das organizações. Este provérbio trata, a meu ver, de uma grande verdade empresarial. As pessoas que pensam e agem de modo similar acabam se aproximando para formar suas equipes, sejam elas vencedoras ou não. Eles têm muita coisa em comum - (falta de) objetivos, (falta de) vontade de fazer, (in)disposição para o trabalho, crenças, modos de encarar os desafios do dia-a-dia, etc.

Não, não vamos nos enganar que só há birds vencedores e exemplos de sucesso. Os incompetentes se agrupam tão ou até mais facilmente do que os competentes. Quem nunca viu aquele chefe pouco preparado e, por que não dizer "limitado", que conscientemente escolhe para seus suboordinados pessoas com desempenho questionável ou abaixo da média para não se sentir ameaçado em sua posição? São eles os limitadores das carreiras de muita gente capaz que, por uma circunstância ou outra, se encontram naquelas estruturas e não conseguem subir. Estes últimos insistem, discutem, buscam alternativas, têm suas boas idéias roubadas pelos próprios chefes que as usam em proveito próprio, sem o devido reconhecimento a seus mentores. Nestes casos, a relação normalmente não é muito duradoura - ou o funcionário sai em busca de novas oportunidades, ou o chefe não dura muito em seu posto. Já vi e vivi isso inúmeras vezes. É uma lei mais antiga do que andar pra frente... Assim as empresas vão gradualmente se purgando dos maus exemplos para sobreviver. Quem não se purga, não vai muito longe.

Vocês já ouviram falar que uma organização tem "a cara de seu chefe?" (Essa regra só vale no longo prazo, para permitir as devidas adaptações nas organizações.) Pois é a mesma coisa, dentro das leis de transitoriedade acima mencionadas.
Quantas empresas eu não visito nas quais sua liderança é recém-empossada e deseja imprimir sua personalidade e modo de agir e pensar ao grupo? Não se fala aqui de anular a opinião própria do grupo - esta deve sempre ser respeitada - pelo contrário, se buscam os pontos comuns para aumento de sinergia. Esta fase de transição é dura, mas acaba ocorrendo, mais cedo ou mais tarde.

Eu tenho uma lista grande de birds com quem teria muito orgulho de trabalhar. E vivo procurando oportunidades para fazê-lo. Como a vida é muito curta, nós temos que "procurar a nossa turma" - como se diria no jargão popular - e fazer acontecer.
Na família também não é muito diferente. As pessoas que "se agrupam" têm elementos importantes em comum. Se não os têm, logo divergem e a relação acaba. Os filhos, de sua parte, acabam por ter uma identidade maior com o pai ou com a mãe ou entre si, podendo variar ao longo das diversas fases da vida. Eles também são "birds of a feather", o que dá longevidade à relação.

Com seus amigos, então, não dá nem para discutir. A máxima "Amigo é melhor que parente por que amigos são escolhidos, parentes não" faz todo sentido nesse contexto. É uma seleção natural entre as diversas tipagens e colorações das plumagens. Se você gosta de beber, vai se aproximar de gente que bebe. Se seu hobby é literatura, vai ter muito prazer em encontrar algumas plumagens literárias em seu caminho. Se gosta de nadar, encontrará colegas nadadores. Não é por menos que as pessoas que estão fora de um contexto são chamadas de "estranhos no ninho".

Agora simulemos a situação na qual você decide perseguir uma meta arrojada como a Travessia do Canal da Mancha.
Até certo ponto, era eu o estranho no ninho, conforme há pouco mencionado. Longe de ser um atleta de ponta, aproximei-me de um território que não aceitava amadores ou oportunistas.
Nesta situação, imaginemos quais os pássaros que devem ser procurados: seguramente os pássaros vencedores, os pássaros que entendem das especialidades que você precisa, os pássaros que têm conteúdo, para poder acrescentar-lhe substância, etc. Essa combinação torna-se imbatível se, além de tudo isso, você encontrar também os mesmos valores e as mesmas atitudes.

Exemplifico: Quando pela primeira vez fui procurar meu nutricionista - o Oscar - senti que ele demonstrou ATITUDE para com meu desafio. Em minha primeira consulta, ele me viu "um caco" de despreparo nutricional, mas acreditava que, com sua metodologia, poderia me enquadrar para uma melhora significativa de meus resultados. A sua crença juntou-se à minha esperança de um bom resultado e, com o tempero da determinação, compomos nossa história de sucesso.
Eu precisava daquela orientação. Éramos pássaros semelhantes. Tornei-o parte de meu grupo.

A apenas um ano de minha Travessia, perdi meu técnico - o Mirco - que deslocou-se de São Paulo para assumir novos e grandes desafios em sua carreira. Senti-me "órfão" até encontrar e perceber a sinergia existente com o Agnaldo, que foi, daquele momento em diante, meu técnico e companheiro em minha Travessia. Lembro-me quando conversamos numa pequena sala na Atlantis sobre minha disponibilidade de tempo para treinar - que era muito limitada - e suas primeiras palavras:
- Percival, eu acho que é possível, sim. Vamos ter que aumentar aqui, acolá, fazer musculação, treinar dois períodos a partir de tal data, crescer o volume, etc. Mas você tem que garantir que não vai "furar" com esse treinamento.
Eu também precisava daquela orientação. Havia muito COMPROMISSO naquelas palavras. Éramos pássaros semelhantes. Tornei-o também parte de meu grupo.

Pássaros semelhantes acabam por se conhecer com grande facilidade. Várias vezes passamos por situações muito peculiares. Em uma consulta com o Oscar, por exemplo, um dia ele vira para mim e diz:
- Percival. Você precisa chorar. Você chora? Faz bem para você...
Ele lia em minha face alguns dos conflitos que tentava superar naqueles momentos.

Já o Agnaldo, como técnico que tive a "sorte" de escolher, também sabia avaliar meu rendimento só de olhar para o estilo. Talvez por isso tenha estado tão tranqüilo em minha Travessia do Canal, quando mantive de 58 a 60 braçadas por minuto durante todo o percurso, por quase onze horas. Aquele era meu ritmo: nada brilhante, mas firme e constante.
Quando, após oito horas de prova, ele e meu irmão Paulo - que nos acompanhava e deu todo o suporte à Travessia - me comunicaram que faltavam apenas 3,9 milhas para a França, minha vontade era de "descer o braço". Mas a orientação do Agnaldo foi sempre de manter a calma, haveria correnteza contrária e a "guerra" ainda não estava ganha. Eu nem esperava que ele dissesse algo diferente. Aquela era a orientação que eu precisava. Éramos pássaros conhecidos, do mesmo grupo.

Meu irmão Paulo, que me acompanhou em várias etapas de meu treinamento, inclusive nas situações mais exóticas como nadar 25 quilômetros de Santos a Bertioga com água a 18º C entrando na água às 2:30hs da manhã, também deu suas contribuições. Lembro-me quando estávamos na Inglaterra, eu treinando à beira-mar e ele na praia me observando e filmando, que pegamos dias de mar muito agitado - marolas altas - que me deixavam muito desanimado - aquilo me abatia mais do que a água gelada do Canal. Uma das frases que me lembro foi dita por ele com toda a sinceridade que herdamos de nosso pai:
- Em alto mar você não espere encontrar nada melhor que isso.
Ele já fora oficial da Marinha Mercante, com vários anos de mar "nas costas". Seria difícil dizer que ele não estava certo, por mais que eu assim o desejasse. Era uma realidade que eu precisava encarar. Éramos também pássaros do mesmo grupo.
Assim se deu a Travessia do Canal. Cercado por pássaros semelhantes, cada um em sua especialidade, mas com uma "plumagem comum". Onde não basta a perfeição de cada um: este foi o caso evidente no qual o todo foi maior que a soma das partes.

"Birds of a feather flock together" é para não esquecer jamais!

Agora, se você não acredita em provérbios cheios de conteúdo como este, resta-lhe ainda a possibilidade de soltar penas na Parada Gay! Quem sabe você não encontra plumagens semelhantes por lá...
Eu tô fora!

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© - Percival Milani